“A jurisprudência e seus sumários” – post do blog “Patologia Social”, do Dr. José António Barreiros

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“A jurisprudência e seus sumários” – post do blog “Patologia Social”, do Dr. José António Barreiros

[ A fonte – post original – encontra-se aqui: https://patologiasocial.pt/2022/06/26/a-jurisprudencia-e-seus-sumarios/ ]

O hábito de ler a jurisprudência e não apenas consultá-la é um bom hábito: lê-se, não em função do caso, mas como forma de reflectir independentemente dele. Ganha-se, com a distância face ao problema, acrescida objectividade. Para além disso, forma-se uma cultura crítica ante o modo como as leis se tornam “entendimentos”.

O problema é saber o que decidiram, afinal, os tribunais, onde se encontra o decidido, e como encontrar o teor essencial da decisão.

Houve tempo – quando havia tempo – em que havia quem lesse os acórdãos e elaborasse fichas que consignavam o extracto do que se colhia ante o seu teor. Veio depois a confiança no sumários, por vezes ilusórios e a gerar a comodidade preguiçosa de os citar sem  conferir com a fundamentação sumariada. A última ilusão decorre da electrónica, a de que no mundo virtual está tudo o que há e como é. Está aqui o problema.

Pontual, chegou mais um número da Colectânea de Jurisprudência [neste caso a n.º 316, do ano XLVV, tomo I,/2022]. E isso permitiu o que a seguir escrevo.

Numa visão apressada fica a ideia de que a dgsi – o sistema electrónico gerido pelo IGFEEJ [ver aqui] e onde se arquiva a base de dados jurisprudenciais dos nossos tribunais consigna toda a jurisprudência e torna inútil a Colectânea. Ora não é assim. E também não é facto que, entre os sumários dos acórdão publicados na dgsi e os da Colectânea haja coincidência.

Dois exemplos mostram o que pretendo dizer e suponho  que seja legítima a generalização.

Por exemplo, o acórdão de 11 de Janeiro de 2022 do Tribunal da Relação de Lisboa, de que foi relator Agostinho Torres, respeitante a apreensão de correio electrónico, não está na dgsi, nem procurando pela data da prolação, como se vê aqui, nem pelo nome do relator, como decorre daqui, nem sequer pelo número do processo, como se confirma por aqui] pelo que a publicação na Colectânea tem interesse, sendo informação nova. E trata-se de uma decisão muito interessante ao exigir do JIC, em matéria de abertura de correio electrónico, uma ponderação cuidadosa, em termos de respeito pelos critérios de necessidade e proporcionalidade antes de decretar a abertura de tal correspondência.

Por outro lado o acórdão de 18 de Janeiro de 2022 [relator Jorge Gonçalves] também não se encontra na dgsi pelo nome do relator, nem pelo data do acórdão, mas pesquisando pelo número do processo [915/17.7T9OER.L1] acha-se este aqui que ali surge sob a palavra-chave “exame pericial” em matéria de crime de falsificação, quando o cerne do seu decidido – como bem o captou a Colectânea [página 117] é o tema da reabertura de audiência, tratado, aliás, com minucioso detalhe e critério. Mas com uma particularidade:

-» é que, enquanto pela dgsi se colhe a ideia motora de que o tema é o caso – hoje muito polémico – de  a Relação, em recurso, passar de uma absolvição para uma condenação e verificar que a decisão recorrida não decidiu toda a matéria de facto relevante para determinar a pena concreta, essa noção não se alcança claramente pelo sumário do publicado na Colectânea, em que a menção é feita de forma remissiva para o «AFJ 4/2106» [sic, afinal este aqui]

-» mas, num outro registo, no sumário do publicado na Colectânea encontra-se a especificação do que se exige  no caso decidido ser conhecido pelo tribunal que recebe o processo devolvido, e assim, «a factualidade relativa às condições de vida, comportamento e personalidade da arguida, a fim de lhe permitir a subsequente prolação de decisão condenatória em conformidade», o que não fica evidente ante a redacção do sumário da dgsi.

Ora, creio que, se clareza do sumário e a completude dos descritores, que levam à localização do aresto, são fundamentais para que se localize o sentenciado, a padronização do sumário também é relevante, sobretudo porque, através dele se pode alcançar o âmbito do decidido e extrair, pois, um critério aplicável a outros casos.

São dois casos. Um exercício mais aturado, evidenciará muitos mais. Não há tempo. É este o problema sério da nossa contemporaneidade. Temos hoje uma massa jurisprudencial bem superior à do tempo da Jurisprudência das Relações e do Boletim do Ministério da Justiça. Tema é saber se, tendo ganho  em quantidade, se ganhou em tempo de qualidade para conhecer e não apenas folhear, para não falar no “corta e cola”, do sumário apenas quantas vezes.

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